Levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) faz uma analogia com o naufrágio do Titanic e comprova que diferenças socioeconômicas afetam o diagnóstico e o tratamento da doença no País
Estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) em conjunto com a Universidade Federal de Goiás (UFG) comprova que a condição socioeconômica das mulheres no País foi determinante no diagnóstico do câncer de mama antes e depois da pandemia de Covid-19. Na avaliação comparativa entre a saúde suplementar, que engloba serviços privados prestados por planos de saúde, e o Sistema Único de Saúde (SUS), o mastologista Ruffo Freitas-Junior, assessor especial da SBM, afirma que os dados espelham uma situação de contrastes, “comparável ao naufrágio do Titanic”. “Da mesma forma que as vítimas que viajavam na terceira classe do transatlântico, as mulheres com menos recursos no Brasil enfrentam uma perversa situação de desigualdade. E isso se reflete diretamente na possibilidade de detecção precoce e no sucesso do tratamento da doença”, destaca.
O artigo
“Covid-19 e diagnóstico de câncer de mama no Brasil: Uma analogia com o
naufrágio do Titanic” foi publicado recentemente no JCO Global Oncology, jornal
da conceituada Sociedade Americana de Oncologia Clínica. O estudo avaliou as
taxas de diagnósticos tardios para câncer de mama nos estágios III e IV, os
mais graves da doença, em mulheres com mais de 50 anos, comparando-se dois
períodos: 2018 a 2019 e 2020 a 2021.
Autor do
estudo, juntamente com Aline Ferreira Bandeira Melo Rocha, Henrique Lima Couto,
Jordana de Faria Bessa e Linei Augusta Brolini Dellê Urban, Ruffo
Freitas-Junior observa que antes da pandemia os diagnósticos de estágios
avançados de câncer de mama entre as usuárias do SUS eram 43,16%, segundo o
DataSUS do Ministério da Saúde. Na saúde suplementar, eram 30,5%. “Ocorre que a
pandemia potencializou essa diferença, com taxas de 52,04% no setor público
contra 36,4% no setor privado”, destaca. “Isso comprova a crescente
desigualdade no acesso aos serviços de saúde no Brasil.”
Um
levantamento anterior, realizado com pacientes com câncer de mama em estágio
clínico III, usuárias dos dois sistemas de saúde no País, demonstra que em uma
década a taxa de sobrevida de mulheres atendidas pela rede privada é de 55,6% e
de 39,6% no SUS. Para o especialista da SBM, o efeito da pandemia na
prevalência dos estágios avançados da doença aumentará ainda mais a diferença
nos índices de mortalidade entre as usuárias dos SUS e da saúde privada.
Com o
naufrágio do Titanic, menos de um terço dos que estavam a bordo sobreviveram.
Mas o número de mortes entre passageiros da terceira classe (74,78%) e os da
primeira (37,84%) é desproporcional. “O estudo que apresentamos roga para que
evitemos a situação em que pessoas com menos recursos sejam a ‘terceira classe’
no diagnóstico e no tratamento de câncer no Brasil”, diz.
Para o
especialista da Sociedade Brasileira de Mastologia, políticas públicas que
elevem o rastreamento e o tratamento a níveis superiores aos observados antes
da pandemia de Covid-19 é crucial e urgente. “O Brasil possui o maior sistema
público de saúde do mundo. São mais de 190 milhões de brasileiros que a
princípio, por lei e pela Constituição, têm direito a acessar o serviço”,
conclui Ruffo Freitas-Junior.