Exército em operação de resgate a vítimas das enchentes no RS
Por MANUEL DOMINGOS NETO*
A história universal revela que as grandes tragédias socioeconômicas aguçam o faro das aves de rapina
Quem acompanha meus escritos sabe que discordo da concepção de Defesa Nacional prevalecente e sustento a necessidade de uma reforma militar que nos garanta voz efetivamente soberana no jogo internacional. Defendo uma reforma que tire do militar o papel de ator multifuncional e o deixe na condição de guerreiro pronto para abater estrangeiros intrometidos.
Enquanto isso não ocorre, incomoda-me receber fotos e vídeos dos empenhados em desmoralizar a atuação das Forças Armadas nas inundações no Rio Grande do Sul. Por mais especializado que seja em combater o estrangeiro, jamais o militar pode deixar de atuar em situações internas extremas.
Nada do que vi, até o presente, na tragédia gaúcha, desabona as corporações. Um caminhão em meio ao aguaceiro não comprova ineficiência. Antes, mostra coragem para enfrentar a torrente.
Em plena ditadura, logo depois do Ato-5, quando a repressão exorbitava, testemunhei, em São Luís do Maranhão recrutas e sargentos ajudando vítimas de grande acidente de trânsito. Eu tinha dezenove anos e era aspirante a oficial da reserva não remunerada. Já militava na esquerda, mas comoveu-me o empenho de jovens de minha idade carregando pessoas com braços e pernas decepadas. Muitas vidas foram salvas.
Nesse episódio, um major vacilou e foi desmoralizado. Um sargento me disse: “assuma o comando, aspirante, esqueça esse coalira!”. Um subtenente mais velho ficou o tempo todo ao meu lado ajudando-me a tomar decisões. Senti grandeza no soldado. O sentimento humanitário foi maior que a hierarquia.
Imagino agora o empenho de milhares de garotos fardados ajudando o povo gaúcho e bato palmas, torcendo para que não estejam sob comando de oficiais covardes.
Incomodou-me também a declaração de Janja dizendo que pedirá ao seu marido para afastar “policiais masculinos” dos abrigos dos flagelados, dado que sua presença seria mais ofensiva do que colaborativa.
Penso que, tal como a Defesa Nacional, a Segurança Pública carece de reforma profunda. Acompanho as formulações de Luiz Eduardo Soares neste sentido. Mas isso não combina com desqualificação gratuita de profissionais empenhados dia e noite em proteger os vitimados pelas inundações. Bato palmas para os policiais gaúchos! Janja ofendeu gratuitamente.
Neste momento trágico da vida brasileira, acusações injustas e tentativas levianas de diminuir o papel do soldado e do policial integram, conscientemente ou não, o esforço torpe para obter dividendos em meio à luta para salvar vidas.
A atuação do governo precisa, neste momento, ser calcada no atendimento às vítimas e na repressão às mentiras que perturbam a ação institucional.
Em virtude da dimensão da tragédia, o debate sobre a recuperação do Rio Grande do Sul será complexo e demorado. Hoje, sequer é possível conhecer a dimensão dos estragos.
A história universal revela que as grandes tragédias socioeconômicas aguçam o faro das aves de rapina. Sou nordestino e sei como os mais espertos e sem escrúpulos enriqueceram e mantiveram secularmente o poder com a tragédia crônica relacionada às estiagens prolongadas.
A difamação do soldado e do policial nesse momento integra a construção da imagem dos atores que estão de olho nos benefícios que as calamidades propiciam.
Bato palmas para o soldado e para o policial enquanto espero que seus chefes se contenham na busca da glória que lhes autorizaria falsamente a mandar em tudo.
*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura). [https://amzn.to/3URM7ai]
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