Polaris Dawn está prevista para decolar do Centro Espacial Kennedy da Nasa, na Flórida, entre 4h38 e 8h09 (horário de Brasília)
Tripulação da Polaris Dawn tem a missão de atravessar um cinturão de radiação na atmosfera • John Kraus/Polaris Program
A próxima tentativa da SpaceX de ultrapassar os limites cósmicos está programada para acontecer esta semana com a missão chamada Polaris Dawn: uma jornada de cinco dias para o espaço com uma tripulação que viajará pelos cinturões de radiação da Terra e esperam realizar a primeira caminhada espacial comercial.
A missão está prevista para decolar do Centro Espacial Kennedy da Nasa (agência espacial dos Estados Unidos), na Flórida, entre 4h38 e 8h09 (horário de Brasília) na terça-feira (27), levando quatro civis em uma ousada excursão.
Essa será a segunda viagem ao espaço para Jared Isaacman, o bilionário fundador da empresa de pagamentos Shift4. Ele fez uma viagem menos arriscada em 2021, em uma missão chamada Inspiration4.
A Polaris Dawn é uma das missões que Isaacman planeja realizar ao lado da SpaceX. São três voos com o objetivo de testar novas tecnologias que possam ajudar a avançar o objetivo da empresa liderada por Elon Musk de ver humanos vivendo e trabalhando em outros planetas.
Acompanhando Isaacman na Polaris Dawn estarão duas engenheiras da SpaceX, Sarah Gillis e Anna Menon, as primeiras da empresa a participarem de uma missão orbital. Scott “Kidd” Poteet, um ex-piloto da Força Aérea dos Estados Unidos e amigo de longa data de Isaacman, completa a tripulação.
Os membros da tripulação trazem para a missão uma vasta experiência em pilotagem de aeronaves a jato — uma carreira comum de se seguir antes da fomração como astronauta profissional — ou trabalharam com e treinaram astronautas da Nasa, como é o caso de Menon e Gillis.
Um negócio arriscado
Após a decolagem na terça-feira, espera-se que a equipe de quatro pessoas viaje para uma órbita em formato oval que se estende a até 1.400 quilômetros da Terra — distante o suficiente para mergulhar o veículo e a tripulação nos cinturões de radiação de Van Allen. Nenhum humano viajou tão longe no espaço ou passou por esse ambiente de radiação desde o programa Apollo da Nasa.
A missão Polaris Dawn também busca alcançar a maior órbita ao redor da Terra para uma missão tripulada, com o objetivo de superar o recorde de 1966 estabelecido pela Gemini 11 da Nasa em 32 quilômetros. Esta última alcançou 1.373 quilômetros quase 60 anos atrás.
Menon e Gillis também se tornariam as primeiras mulheres a fazer tal jornada.
Quase imediatamente após o lançamento, a tripulação começará a se preparar para uma caminhada espacial de alto risco, utilizando trajes de Atividade Extraveicular (EVA) desenvolvidos pela SpaceX em apenas 2 anos e meio. Se bem-sucedida, a caminhada espacial, prevista para o início de quinta-feira (29), marcará a primeira vez que civis (ou astronautas não governamentais) realizarão tal façanha.
O quarteto então se concentrará em cerca de 40 experimentos científicos antes que a cápsula Crew Dragon da SpaceX retorne à Terra. Como em qualquer missão espacial, a reentrada será perigosa — com pressão e fricção aquecendo o exterior da nave a mais de 1.649 ºC — antes que a nave caia em direção ao oceano e abra paraquedas para desacelerar sua descida.
A missão deve durar cerca de cinco dias. Aqui está uma visão mais detalhada dos quatro membros da tripulação:
Jared Isaacman: “Objetivos ambiciosos”
Como um dos idealizadores da missão Polaris Dawn, Isaacman teve participação na escolha dos companheiros de tripulação que viajariam com ele. E essa equipe é diferente da que acompanhou Isaacman na missão Inspiration4 há quase três anos.
Essa missão trouxe pessoas de várias origens, incluindo uma sobrevivente de câncer, um artista e o beneficiário de uma rifa. A Inspiration4 — a primeira missão espacial comercial da SpaceX — buscou provar que pessoas de diferentes perfis poderiam treinar e executar um voo em órbita. A tripulação de quatro membros passou três dias no espaço, orbitando a Terra.
Mas devido à natureza experimental e aos riscos associados à Polaris Dawn, Isaacman disse que essa missão exigiu uma abordagem diferente.
“Acho que você monta uma equipe de acordo com os objetivos da missão. O objetivo da Inspiration4 era inspirar as pessoas a fazer as coisas de maneira diferente do que havia sido historicamente feito na Nasa. O que foi, em grande parte, um processo aleatório, todo mundo superou minhas expectativas,” Isaacman disse à CNN.
“Mas a Polaris é um programa de teste e desenvolvimento — e isso se alinha ao meu histórico de aviação e coisas que já fizemos no passado,” ele acrescentou. “Está estabelecido para ter objetivos ambiciosos. Então, você monta a melhor equipe possível para isso.”
Anna Menon: Um sonho de vida
Isaacman já conhecia Menon da missão Inspiration4: Ela era uma consultora técnica para os familiares daquela tripulação, explicando as complexidades do voo espacial para os entes queridos que estavam em terra.
Meses após o retorno da Inspiration4 à Terra, ela soube que Isaacman estava planejando seu retorno.
“Eu soube disso através de uma reunião que apareceu no meu calendário. De repente, comecei a sentir que essa não era uma reunião comum e, muito rapidamente, Jared perguntou se eu gostaria de participar da sua próxima missão,” Menon disse. “Eu fiquei completamente surpresa. Jamais teria imaginado isso em toda a minha vida.”
Mas Menon disse que sempre sonhou em viajar para o espaço, que capturou sua imaginação durante uma visita ao Johnson Space Center em Houston, quando estava na quarta série.
“Tive a oportunidade de experimentar um dia na vida de um astronauta e um controlador de voo,” ela disse à CNN. “E desde então, sonhei com essa oportunidade.”
A paixão de Menon a levou a obter um mestrado em engenharia biomédica pela Duke University e a trabalhar por sete anos na Nasa, atuando como controladora biomédica de voo para a Estação Espacial Internacional.
Depois de mudar para um cargo na SpaceX, ela trabalhou no controle da missão durante algumas das missões de maior destaque da empresa, incluindo a Demo-2 em 2020 — o primeiro voo tripulado da cápsula Dragon da SpaceX que marcou o retorno dos lançamentos de astronautas ao solo dos EUA pela primeira vez em uma década.
Mesmo assim, Menon disse à CNN que não esperava viajar para o espaço.
“Acho que reconheci muito bem que as chances eram extremamente baixas,” ela disse. “E provavelmente, sendo honesta comigo mesma, já tinha desistido dessa ideia.”
Mas agora a exploração espacial parece estar no sangue da família. Poucos dias antes de Menon descobrir que faria parte da tripulação da Polaris Dawn, seu marido — Anil Menon, que também trabalhou com a tripulação da Inspiration4 como funcionário da SpaceX — foi selecionado como astronauta da Nasa. (Ele ainda não foi designado para sua primeira missão.)
“Foi uma semana absolutamente turbulenta na nossa casa,” disse Anna Menon. “Liguei para ele logo depois que saí da reunião com Jared, e me lembro da reação dele ser de choque extremo e uma empolgação enorme — ele estava nas nuvens.”
Seus dois filhos, agora com 4 e 6 anos, têm acompanhado os pais se prepararem para enfrentar desafios arriscados. Menon disse que o mais velho está começando a entender a seriedade da situação.
Menon também escreveu um livro para eles, chamado “Kisses From Space” (Beijos do Espaço), que ela planeja ler durante a missão como parte de uma arrecadação de fundos para o Hospital de Pesquisa Infantil St. Jude.
Menon será especialista da missão durante o voo da Polaris Dawn, ajudando a realizar experimentos científicos durante a viagem, e será a oficial médica da missão.
Se a síndrome de adaptação espacial — um tipo de enjoo grave que pode afetar astronautas — atingir a tripulação, caberá a Menon administrar medicamentos que podem aliviar esses sintomas.
Ilustração de um astronauta da Polaris Dawn na cápsula espacial Crew Dragon. • Polaris Dawn
Sarah Gillis: De estagiária a astronauta
Lidar com — e buscar respostas para — os desafios biológicos assustadores que os humanos enfrentam enquanto flutuam em uma espaçonave é outro objetivo fundamental da missão Polaris Dawn.
Alguns dos experimentos científicos desta missão visam entender melhor a síndrome de adaptação espacial e prever quem ela pode afetar.
Como engenheira líder de operações na SpaceX, Gillis assumiu a responsabilidade de treinar astronautas para missões cruciais. Entre seus alunos estavam os primeiros astronautas a voar em uma cápsula Crew Dragon — Bob Behnken e Doug Hurley, da Nasa — antes da histórica missão Demo-2 em 2020.
Gillis também treinou a tripulação da Inspiration4 para sua missão em 2021 e viu de perto como o voo espacial pode ser desgastante.
Isaacman disse que dois dos membros da tripulação da Inspiration4 sofreram com a síndrome de adaptação espacial (cerca de 50% das pessoas sofrem), e houve problemas com o banheiro da Crew Dragon que ameaçaram o conforto da equipe durante sua viagem de três dias.
“O voo espacial humano não será glamoroso o tempo todo. Os humanos não foram feitos para viver e trabalhar sem gravidade.”
Sarah Gillis, engenheira líder de operações da SpaceX
“Estou realmente interessada em ver como será (estar em microgravidade) para mim e o que vou aprender e levar de volta ao programa de treinamento na SpaceX,” disse Gillis à CNN.
Como Menon, Gillis ficou surpresa ao saber sobre a possível viagem espacial durante uma reunião que apareceu em seu calendário no final de 2021.
“Foi um dia de trabalho bem louco e aleatório,” disse Gillis. “Mas acho que minha resposta imediata foi: ‘Com certeza.’”
Durante sua carreira na SpaceX, onde trabalha há quase uma década, Gillis ajudou a desenvolver o processo de operações da Crew Dragon da empresa e esteve muito próxima das missões de voo espacial humano.
Apesar de sua proximidade com essas missões, no entanto, Gillis disse que nunca imaginou que voaria na cápsula para a qual dedicou grande parte de sua carreira profissional.
“Acho que o voo espacial humano cativou minha imaginação, e foi por isso que tentei seguir coisas que me interessavam nessa área,” disse ela à CNN. “(Mas) não acho que em nenhum momento considerei isso possível.”
Gillis não cresceu sonhando com aventuras cósmicas. Ela é violinista formada e só começou a considerar seriamente uma carreira espacial no terceiro ano do ensino médio, quando conheceu o astronauta da Nasa Joe Tanner. Ele a ajudou com um projeto de formatura e a incentivou a seguir engenharia na faculdade.
“Acabei me inscrevendo para engenharia aeroespacial (na Universidade do Colorado Boulder) por causa disso,” disse ela. “Nessa jornada, acabei me tornando estagiária na SpaceX e, muitos anos depois, conseguir voar na espaçonave.”
Gillis e Menon passaram os últimos anos dividindo o tempo entre seus empregos diários na SpaceX — deixando suas marcas no hardware que as levará ao espaço — e treinando para a missão Polaris Dawn.
“Agora, eu diria que, nos últimos meses, nos tornamos membros da tripulação em tempo integral,” acrescentou Gillis.
Scott ‘Kidd’ Poteet: “Sem reservas”
Poteet tem acompanhado de perto as ambições espaciais de Isaacman.
Sua amizade surgiu de experiências no ar: Poteet passou 20 anos na Força Aérea, acumulando cerca de 3.200 horas de voo em jatos. E Isaacman é um piloto apaixonado, com milhares de horas de experiência pilotando jatos e aeronaves experimentais.
Poteet começou a trabalhar para Isaacman após conhecê-lo em um show aéreo. Poteet se juntou à Draken International, uma fornecedora de aviões de combate tático e contratada das Forças Armadas dos EUA, fundada por Isaacman em 2012.
A Draken oferecia um serviço de “vilão,” disse Poteet, usando jatos para interpretar inimigos durante o treinamento militar. A empresa comercializou um papel que Poteet também desempenhou na Força Aérea.
Essa experiência durou cerca de cinco anos, disse Poteet, antes de Isaacman vender a empresa.
Desde que Isaacman voltou seu foco para o espaço, ele e Poteet têm estado em sintonia. Durante a missão Inspiration4, Poteet foi o diretor da missão. Mas Poteet disse que não imaginava que uma viagem ao espaço estaria ao seu alcance.
“Eu não fui o melhor aluno enquanto crescia, no ensino fundamental e médio,” disse Poteet à CNN. “Mas admirava todos os astronautas e os programas da Nasa: Mercury, Gemini, Apollo levando à era dos ônibus espaciais.”
Mas como ex-piloto de testes operacionais, Poteet disse que entende o desejo de Isaacman de ultrapassar limites e ajudar a SpaceX a dar saltos ambiciosos em suas capacidades de voos espaciais comerciais.
“Semelhante a Elon [Musk, CEO da SpaceX], Jared tem uma visão de: Como continuamos a desafiar os limites e avançar na exploração espacial?” disse Poteet. “O resultado final foi o programa Polaris.”
“Eu era um grande defensor do que ele [Isaacman] havia imaginado,” acrescentou Poteet.
A missão Polaris Dawn foi montada em 2 anos e meio, uma velocidade impressionante considerando os cronogramas típicos da indústria aeroespacial.
Poteet disse que essa missão mostra o que a equipe da SpaceX pode “realizar em poucos anos (e) é um verdadeiro testemunho de seu profissionalismo.”
“Não tenho absolutamente nenhuma reserva,” disse Poteet sobre sua primeira incursão no espaço. “Tenho total fé e confiança de que eles cruzaram todos os ‘T’s e pontuaram todos os ‘I’s na preparação para nossa missão.”
Fonte: CNN Brasil