Principal embaixador pop da bossa nacional nos anos 1960, pianista fluminense também estourou em escala mundial com balada romântica em 1983 e revitalizou a discografia ao se unir ao rap em 2006.
Sergio Mendes (1941 – 2024) morre aos 83 anos, em Los Angeles (EUA), no país onde fez nome, fama e fortuna com som pop tropical calcado na bossa do Brasil — Foto: Katsunari Kawai / Divulgação
♪ O som exuberante de Sergio Mendes foi a mais completa tradução da bossa brasileira para o idioma pop norte-americano. A partir de 1966, o pianista, arranjador e compositor fluminense – nascido em Niterói (RJ) – conquistou os Estados Unidos, e por consequência o mundo, com um suingue nacional tipo exportação.
O estopim para o estrelato foi gravação turbinada do samba Mas que nada (Jorge Ben Jor, 1962) que deu início ao reinado de Mendes com o conjunto Brasil’66.
É por isso que a notícia da morte de Sergio Santos Mendes (11 de fevereiro de 1941 – 6 de setembro de 2024), veiculada na manhã de hoje, entristece o universo pop em escala planetária. Sergio Mendes sai de cena aos 83 anos, em Los Angeles (EUA), no país onde fez nome, fama e fortuna.
Em atividade profissional desde 1961, ano em que integrou o Sexteto Bossa Rio, Sergio Mendes foi pela primeira vez aos Estados Unidos em 1962 como integrante do elenco do lendário show que apresentou oficialmente a bossa nova aos Estados Unidos no palco do Carnegie Hall em Nova York (EUA).
O artista voltou ao Brasil logo depois do show, mas, atento aos sinais de desgaste da bossa nova no país natal, decidiu retornar aos EUA e ficar por lá a partir de 1964, ano em que o samba Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962) ganhou o mundo na voz de Astrud Gilberto (1940 – 2023) em gravação feita em 1964 para álbum do saxofonista de jazz Stan Getz (1927 – 1991) com João Gilberto (1931 – 2019).
Nos Estados Unidos, Sergio Mendes deu forma à própria bossa com um toque latino e seduziu o público norte-americano em 1966 com o álbum Herb Alpert presents Sergio Mendes & Brazil’66, alavancado pela já mencionada abordagem do samba Mas que nada. Desde então, Mendes se tornou uma espécie de embaixador brasileiro da bossa nova e, por extensão, do samba-jazz e do jazz latino.
Dois anos após o estouro de Mas que nada, Mendes conseguiu emplacar outro grande sucesso mundial em 1968, abordando com suingue próprio a canção The fool on the hill (John Lennon e Paul McCartney,1967), lançada pelos Beatles no ano anterior. O mesmo ano de 1967 em que Sergio Mendes injetara bossa na canção The look of love (Burt Bacharach e Hal David, 1967), destaque do álbum Look around (1967) em abordagem repetida ao vivo pelo músico em março de 1968 na cerimônia do Oscar. Estava consolidada a escala internacional de Sergio Mendes.
Nos áureos anos 1960, a discografia de Sergio Mendes com o grupo Brasil’66 tinha repertório bilíngue em inglês e português. Além das canções norte-americanas e britânicas, havia músicas de compositores brasileiros como Edu Lobo, Gilberto Gil e, claro, Tom Jobim (1927 – 1994). Aliado aos vocais de Lani Hall (de 1966 a 1968) e Gracinha Leporace, parceira de música e vida, o balanço vibrante do pianista era o denominado comum desse variado repertório.
Sergio Mendes atravessou os anos 1970 sem repetir o sucesso da década anterior, mas a agenda internacional nunca ficou vazia. No que diz respeito aos discos, o artista voltou a ficar sob os holofotes mundiais em 1983, ano em que já tinha finalizado álbum de acabamento pop, mas decidiu reabrir o disco para incluir aliciante balada, Never gonna let you go (Barry Mann e Cynthia Well), que lhe chegara aos ouvidos na voz de Joe Pizzulo, cantor norte-americano de ascendência italiana.
A decisão foi sábia. Gravada pelo pianista com a voz de Pizzulo, a balada virou hit planetário e alavancou o álbum Sergio Mendes (1983).
Em discografia de altos e baixos comerciais, cabe destacar o álbum Brasileiro (1992), trabalho revigorante que marcou o encontro de Sergio Mendes com Carlinhos Brown.
Foi nesse álbum Brasileiro que apareceu a música Lua soberana (Ivan Lins e Vitor Martins, 1992), amplificada no Brasil em 1993 na trilha sonora da novela Renascer, na gravação original de Mendes, e revivida neste ano de 2024 nas vozes das cantoras baianas Luedji Luna e Xênia França em gravação feita para a trilha sonora do remake da novela.
Mais tarde, 14 anos após o disco Brasileiro, Sergio Mendes ganhou outra injeção de ânimo na carreira ao se unir ao rapper norte-americano will.i.am no álbum Timeless (2006).
O revival do samba Mas que nada, em esquema novo com o grupo Black Eyed Peas, revitalizou a bossa de Sergio Mendes, pianista que, partindo das águas fluminenses da Baía de Guanabara, exportou o suingue brasileiro para o mundo e se tornou, ele próprio, sinônimo de balanço pop e brasileiro.
Nesse sentido, o som tropical de Sergio Mendes se configurou de fato atemporal, ainda que seja evocativo de uma época, os anos 1960, em que o mundo se voltou para a bossa do Brasil.