HOMENAGEM
Na quarta-feira, 20, será celebrado em todo o país, o Dia da Consciência Negra, que pela primeira vez desde sua origem, em 2003, será feriado nacional.
Para falar sobre essa data tão importante, o Tribuna Ourinhense entrevistou a jornalista e gerente de comunicação Carla Caroline e a professora Paula Dias, que nos falaram sobre a sua importância e quais desafios e adversidades enfrentaram por serem negras e mulheres.
Carla Caroline falou sobre o que é ser negro. “Parafraseando Lélia Gonzalez., a gente não nasce negro, nos tornamos negros. É uma conquista muito dura e que se desenvolve pela vida toda. Acho que o principal desafio é quando você compreende que grande parte das coisas pelas quais passa, é pela cor da sua pele. Por muito tempo a gente tenta mascarar, criando justificativas tais como: acho que é porque não estou bem vestida, ah, não consegui porque acho que não estudei o suficiente; quando na verdade você acaba percebendo que aquilo é um racismo estrutural presente em sua vida todos os dias. Quando eu me vejo hoje vivendo em São Paulo, trabalhando numa empresa global, sendo mulher, negra, numa cargo de gestão, os desafios são inúmeros, mas o maior deles, é olhar para o lado e não me ver, para que eu possa ter referências negras, principalmente mulheres negras, eu preciso sair muitas vezes destes ambientes, buscar em rodas de contato, em espaços acolhedores, em grupos de mulheres, de executivos negros é uma busca constante. Para além da busca convencional de conhecimento de manutenção do trabalho, de destaque pessoal e profissional, eu ainda preciso buscar pessoas que se pareçam comigo que estejam nestes espaços para que tenha troca, para que eu possa aprender e principalmente para que eu possa entender que muitas das coisas que passo não são apenas só minhas. Porém, existe um espaço de muita alegria e felicidade, quando você pode fazer a contratação de uma pessoa, olhar nos olhos dela,e ver que ela ta feliz, porque a partir daquele momento ela vai olhar pro lado e a pessoa que faz a gestão do trabalho dela é uma mulher negra. Uma vez uma estagiária me disse que ficava muito feliz, porque quando me olhava, via a mãe dela. Então ao mesmo tempo que tem as dores, os dissabores, também tem os bons momentos, de poder incentivar, de falar para quem está chegando agora que não é fácil, é dolorido mas é possível. Mostrar para minha filha pros meus sobrinhos, que são crianças ou jovens que é possível conseguir também. Eu costumo dizer que eu sou um sonho para as minhas ancestrais, e eu quero muito que lá na frente, as meninas e os meninos falem que são a minha continuação”, afirmou.
Paula Dias falou sobre o significado da data. “O Dia da Consciência Negra é de extrema importância, principalmente para a população preta. Nós sabemos que 56,5% da população brasileira se divide entre os pretos e pardos, ou seja, é a maioria no país. Porém, embora seja a maioria, ainda é a minoria nos lugares, principalmente, quando se trata da questão de emprego, é muito difícil ver um preto num cargo de destaque, principalmente em nossa cidade, ou nos lugares por onde passamos. O Dia 20 de novembro é para fazer menção que é necessário ter essa valorização e respeito, porém, é muito pouco nos ater apenas a esse dia, pois precisamos pensar que devemos ter essa empatia, esse respeito, em todos os dias do ano. Mas essa data é muito importante, pois em 20 de novembro de 1.695 morria o grande líder dos negros, Zumbi dos Palmares. Então esta data foi dada em celebração a este grande personagem da nossa história. Posso dizer que ser uma mulher já é muito difícil, ser uma mulher preta, e ainda pobre muito mais difícil ainda. A mulher preta muitas vezes é vista como aquela que vai fazer o serviço que a mulher branca não quer fazer. Como faxineira, babá, empregada doméstica, e outros serviços subalternos. Eu posso dizer pela minha experiência própria que ser professora preta já é difícil, pois os próprios alunos muitas vezes nos olham, como se perguntando o que ela está fazendo lá, já que ali não é lugar para ela. Eu enfrento desafios todos os dias, por parte de alunos e até mesmo de professores. Para nós que somos pretos, vivemos desafios todos os dias, pois enfrentamos situações de racismo e preconceito nos mais diversos ambientes, não apenas no trabalho, mas nas ruas, ou em qualquer outro lugar. E pessoas como eu que tenta fazer a diferença, aí e que sofremos mais preconceito e racismo estrutural que está dentro das pessoas. Um conselho que eu dou é que a gente nunca pode abaixar a cabeça para aquilo que é errado. É importante frisar que nossa luta como pretos é diária e só uma educação antirracista é que irá poder transformar a nossa sociedade para que seja composta por pessoas muito melhores, livres de preconceito ou discriminação”, ressaltou
Origem da data
O dia da Consciência Negra existe oficialmente desde 2003 como uma celebração escolar e desde 2011 como lei. A data marca a morte de um dos maiores lutadores contra a escravidão no Brasil, Zumbi dos Palmares. Apesar da celebração na data, estátuas e monumentos que levam o seu nome, a história de Zumbi e do Quilombo dos Palmares é pouco conhecida.
A história conta que filho de Sabina, Zumbi nasceu livre em 1655 no estado de Alagoas. Ainda pequeno, foi entregue a um padre e batizado com o nome de Francisco. Foi quando ele aprendeu a falar português e a participar do cotidiano de celebrações da igreja até os 15 anos, quando decidiu voltar ao quilombo dos Palmares, até então governado pelo seu tio Ganga Zumba.
O Quilombo dos Palmares ficava na região da Serra da Barriga, hoje território alagoano e é considerado por historiadores como o maior quilombo da América Latina, chegando a ter uma população de 20 mil habitantes de negros e negras que fugiram da escravidão, indígenas e pessoas consideradas “fora da lei” na época. O Quilombo era, na verdade, uma junção de pequenos mocambos, nome a dados à pequenas comunidades, sendo o centro político de Palmares o mocambo do Macaco.
Lá, a terra e a produção eram coletivizadas, sendo a agricultura a principal atividade do local. Documentos também apontam a existência de olarias, oficinas de metalurgia, criação de pequenos animais e artesanato, que era vendido nas pequenas vilas nos arredores e enviados também para aqueles que não conseguiam fugir do domínio dos senhores de engenho.
A grandiosidade e prosperidade do Quilombo assustava os escravocratas, que viram durante anos as fugas das senzalas em direção a Palmares. Por isso, na segunda metade do século XVII iniciaram expedições para atacar e destruir o local, mas todas sem sucesso. Para diminuir os ataques, em 1678 Ganga Zumba vai ao Recife para negociar com o então governador do estado, D. Pedro de Almeida. O acordo foi de que os nascidos em Palmares seriam considerados livres; todos que aceitassem o acordo seriam retirados da serra e receberiam terras para viver; seria proibido abrigar novos escravos fugidos e os que garantissem sua liberdade seriam considerados propriedades da Coroa. O acordo causou confusão especialmente entre os que eram considerados fugitivos, já que teriam que renunciar a sua liberdade. Logo após o acordo, Ganga Zumba é morto, sendo a principal suspeita da sua morte um envenenamento. A partir daí, seu sobrinho Zumbi passa a governar Palmares, numa época de muitos ataques e expedições financiadas pela Coroa.
Em 1694, é feita a maior investida contra o Quilombo, sob o comando de Domingos Jorge Velho e Vieira de Mello, que centraram forças na destruição do mocambo do Macaco. Em meio ao combate Zumbi é ferido, mas consegue fugir. Só em 1695, no dia 20 de novembro, Zumbi é entregue por um antigo companheiro, é morto e tem sua cabeça exposta no Pátio do Carmo, em Recife, para desmentir os rumores da época de que o líder de Palmares era imortal.
A data passou a ser celebrada pelo Movimento Negro a partir da década de 1960 como uma forma de valorização da comunidade negra e da sua contribuição na história do país. Hoje, a data é oficializada pela lei nº 12.519/2011 e celebra a resistência do povo negro contra a escravidão e a luta contra o racismo no Brasil, tendo Zumbi como um dos principais lutadores da história pela liberdade. Atualmente, a data é feriado municipal em mais de mil cidades e estadual em Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro.