Texto ainda não é oficialmente uma PEC, mas tem movimentado debate público. Tanto a Constituição quanto a CLT não fazem menção a modelos específicos de escalas de trabalho.
Discussão e votação de propostas legislativas. — Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
Um movimento crescente nas redes sociais tem impulsionado a discussão no Congresso Nacional sobre propostas que alteram as regras das jornadas de trabalho.
Ainda não protocolado na Câmara dos Deputados, um texto proposto pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) tem sido o responsável por manter o tema nos assuntos mais comentados das plataformas.
A parlamentar tem recolhido assinaturas para apresentar à Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais, em 4 dias por semana.
⏰O objetivo central do texto é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso — chamada de 6x1.
Em nota, o Ministério do Trabalho afirmou que tem "acompanhado de perto o debate" e que a redução da jornada é "plenamente possível e saudável", mas a questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados.
A iniciativa de Erika Hilton nasceu de uma mobilização do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que ganhou força nas redes e somou 1,5 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado que pede à Câmara dos Deputados a revisão da escala 6x1.
Apesar dos movimentos, o texto ainda não é oficialmente uma PEC. Para se tornar uma matéria em tramitação na Câmara, a proposta de Erika terá de reunir as assinaturas de, no mínimo, 171 dos 513 deputados.
Até o momento, a equipe da deputada afirma ter superado a marca dos 100 apoios. Depois de alcançar o mínimo de assinaturas, a proposta poderá ser protocolada e enfrentará um longo processo até a aprovação.
A sugestão de PEC pretende alterar um trecho da Constituição que trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Outra proposta com o mesmo objetivo já foi engavetada pela Câmara, antes de ser votada pelo plenário.
A proposta de Erika Hilton prevê estabelecer que a jornada de trabalho normal:
- ➡️não poderá ser superior a 8 horas diárias;
- ➡️não poderá ultrapassar 36 horas semanais; e
- ➡️será de 4 dias por semana.
Segundo o texto, que está no sistema interno da Câmara para reunir apoio de deputados, as mudanças entrariam em vigor depois de 360 dias da eventual promulgação da PEC.
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) em discurso no plenário da Câmara no dia 8 de março — Foto: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados
Qual a regra atual?
Atualmente, a Constituição estabelece que a jornada de trabalho normal:
- ✏️não pode ser superior a 8 horas diárias;
- ✏️não pode superar 44 horas semanais; e
- ✏️poderá ser estendida por até 2 horas.
Essas regras também estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
🔎A CLT determina que os empregados não podem exceder 8 horas diárias de trabalho. Diz, ainda, que todo trabalhador tem direito a um descanso semanal de 24 horas consecutivas, que deve coincidir com o domingo.
Tanto a Constituição quanto a CLT não fazem menção a modelos específicos de escalas de trabalho. Não há, portanto, restrição ou definição explícita das modalidades.
A regra é que, ao definir as escalas, os empregadores têm de seguir os limites de horas diárias e semanais previstos na legislação. Isso torna possível o modelo 6x1, que é alvo de revisão na proposta de Erika Hilton, com a distribuição das horas ao longo dos 6 dias e com uma única folga.
Demissões e risco a pequenos negócios
Para o economista Pedro Fernando Nery, a proposta ainda não está clara e mistura o fim da escala "6 x 1" – que, por si só, pode afetar setores importantes como comércio e hotelaria – com a redução da carga horária semanal, que afetaria toda a economia e geraria mais riscos sobre o emprego formal.
"Empresas podem deixar de contratar, ou até mesmo demitir. Alguns pequenos negócios poderiam fechar", diz Nery.
O economista afirma que, em razão desses riscos, qualquer mudança nesse sentido exigiria "uma transição". "Uma mudança devagar ao longo dos anos, permitindo que o governo avalie, também, compensações para minimizar o risco de desemprego em setores que estiverem sofrendo".
Nery diz que, de fato, o nível de emprego poderia aumentar em setores mais movimentados nos fins de semana – como empresas do ramo de entretenimento, que teriam que contratar para completar a escala. Por outro lado, há setores que seriam prejudicados e teriam, possivelmente, que demitir.
'Novas realidades de mercado'
Erika e o movimento em defesa da proposta argumentam que a revisão é necessária para adaptar o trabalho às "novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares".
- ⏰O modelo de escala 6x1 é comum em setores como restaurantes, mercados, saúde e serviços, por exemplo.
- ⏰A escala prevê que o profissional com carteira assinada trabalhe seis dias da semana consecutivos e tenha um dia de descanso.
A parlamentar defende acabar com o modelo em que o trabalhador folga apenas um dia na semana do 6x1 e adotar a jornada de trabalho de 4 dias na semana no Brasil.
"A alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares", afirma.
No abaixo-assinado que deu origem à mobilização, o VAT defende que a escala 6x1 é "abusiva" e afeta "negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares".
Congresso já engavetou propostas semelhantes
O debate sobre o limite de horas de trabalho não é recente no Congresso Nacional. Diversas propostas foram apresentadas ao longo das últimas décadas para alterar a Constituição ou modificar a CLT.
Algumas registraram avanços, mas não prosperaram a ponto de serem aprovadas pelo conjunto dos parlamentares.
Redução de jornada para 40 horas
Em 2009, depois de 14 anos de discussão na Casa, uma comissão especial da Câmara aprovou, por unanimidade, uma PEC que reduzia a jornada máxima para 40 horas semanais. O texto também elevava o valor da hora extra trabalhada.
A proposta, que tentava modificar a Constituição, chegou longe para uma matéria desse tipo.
🔎Na Câmara, PECs precisam ser admitidas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ); depois, analisadas por uma comissão especial; e, por fim, ainda precisam ser votadas pelo plenário principal da Casa.
Relatada pelo deputado Vicentinho (PT-SP), após ser aprovada pela comissão especial, esta PEC ficou apta a ser votada pelo plenário. Nunca foi pautada.
Apesar dos diversos pedidos para que o texto fosse incluído na agenda de votações, a proposta acabou arquivada em 2023.
Redução de jornada para 36 horas
Em 2019, uma outra PEC sobre a redução de jornada também foi apresentada à Câmara pelo Reginaldo Lopes (PT-MG), com o apoio de mais 190 deputados. O texto propõe reduzir a jornada para 36 horas semanais, com um período de transição de 10 anos.
A proposta foi enviada à CCJ e chegou a entrar na agenda de votação do colegiado em novembro de 2023. Deputados de oposição conseguiram, porém, aprovar um requerimento que pedia a retirada de pauta da PEC por 30 votos a 25. Depois disso, o texto nunca mais voltou à programação da CCJ.
No Senado, ao menos outros dois projetos sobre o tema estão paralisados.
Redução de horas por acordo
Um projeto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que autoriza a redução de horas diárias ou semanais por acordo ou convenção coletiva, sem queda na remuneração, foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais da Casa em fevereiro de 2023.
O texto deveria seguir diretamente para a Câmara, mas foi alvo de um requerimento, aprovado pelo plenário principal do Senado, para que o projeto fosse analisado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Em março deste ano, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) foi escolhido como relator da proposta no colegiado, que ainda não tem previsão de votá-la.
Redução de jornada gradual
Paim também é autor de uma PEC muito semelhante à proposta por Erika Hilton. O texto também prevê reduzir a jornada máxima para 36 horas semanais, com limite de 8 horas diárias. Não há, porém, veto à escala 6x1.
A PEC de Paim, que recebeu 27 apoios, determina que a redução da jornada seja gradual, com um corte de 1 hora a cada ano.
A proposta ficou esquecida até 2022, quando foi arquivada. No ano seguinte, Paulo Paim pediu o desarquivamento do texto. Desde então, aguarda análise da CCJ da Casa, onde terá a relatoria de Rogério Carvalho (PT-SE).
Debate antigo
Antes de todos essas propostas, a pauta também foi discutida em 1987. Durante a Assembleia Constituinte, parlamentares defenderam, na discussão do trecho que trata dos direitos do trabalhador na Constituição, que o limite de horas semanais fosse reduzido de 48 horas para 40 horas.
Paim e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alguns dos defensores. A tese acabou rejeitada e foi vencida pelo texto atualmente em vigor que limita o trabalho a 44 horas por semana.
Testes no Brasil
O modelo de escala, proposto por Erika Hilton, já é testado por algumas empresas brasileiras. A testagem da escala 4x3 é umainiciativa da "4 Day Week Brazil", parceira no Brasil da "4 Day Week Global", organização sem fins lucrativos que já fez vários testes parecidos ao redor do mundo.
O objetivo é reduzir a jornada de trabalho, mantendo 100% dos salários e da produtividade.
Ao todo, 19 empresas concluíram a primeira edição do experimento no Brasil. Todas decidiram manter, permanentemente ou ainda como teste, a redução do expediente, mas algumas em menor escala
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Caminho da PEC
O caminho para aprovar uma PEC na Câmara é longo. Depois de conquistar os apoios necessários e apresentar a proposta, a discussão na CCJ da Casa é a primeira etapa do caminho até a aprovação.
A Comissão de Constituição e Justiça analisa a admissibilidade da proposta — sem avaliar e fazer mudanças no mérito (texto) da proposição. Se aprovada, é enviada para uma comissão especial.
Cabe à comissão especial analisar o mérito e propor alterações à proposta. Regimentalmente, o colegiado tem até 40 sessões do plenário para concluir a votação do texto.
Se isso não ocorrer, o presidente da Câmara poderá avocar a PEC diretamente para o plenário — isto é, colocar em votação direta pelo conjunto dos deputados.
✏️Depois da passagem pela comissão especial, a PEC fica apta a ser votada pelo plenário. Lá, a proposta precisa reunir ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.
Concluída a análise na Câmara, o texto seguirá para o Senado. Por lá, a proposta também precisará ser votada e aprovada por, no mínimo, 49 senadores.
Com a aprovação nas duas Casas, a PEC poderá ser promulgada — ato que torna o texto parte da Constituição — pelo próprio Congresso.
O que diz o governo
Em nota, o Ministério do Trabalho informou que tem acompanhado o debate. Veja na íntegra:
"O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem acompanhado de perto o debate sobre o fim da escala de trabalho 6x1. Esse é um tema que exige o envolvimento de todos os setores em uma discussão aprofundada e detalhada, levando em conta as necessidades específicas de cada área, visto que há setores da economia que funcionam ininterruptamente.
O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva."
Fonte: G1