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Violência escolar aumenta nos últimos 10 anos no Brasil

Escassez de políticas para melhorar a convivência e a precarização da estrutura de unidades de ensino colaboram com o avanço de agressões em instituições do país

Brasil enfrenta um novo cenário de violência em instituições de ensino, marcado por uma escalada nos casos de agressões na comunidade escolar, nos últimos 10 anos, e pelos ataques a instituições de ensino, que registraram um pico entre 2022 e 2023. A desvalorização da atividade docente no imaginário coletivo, a relativização de discursos de ódio e o despreparo de secretarias de educação para lidar com conflitos derivados de situações de racismo e misoginia são hipóteses que podem ajudar a explicar esse fenômeno complexo e multicausal, que provocou ao menos 47 vítimas fatais desde 2001.

O Ministério da Educação (MEC) reconhece quatro tipos de violência que afetam a comunidade escolar. O primeiro refere-se às agressões extremas, com ataques premeditados e letais; o segundo abarca situações de violência interpessoal, envolvendo hostilidades e discriminação entre alunos e professores; e o bullying, quando ocorrem intimidações físicas, verbais ou psicológicas repetitivas. Há, ainda, a violência institucional, que engloba práticas excludentes por parte da escola, por exemplo, quando o material didático utilizado em sala de aula desconsidera questões de diversidade racial e de gênero. Por fim, o MEC identifica os problemas abrangendo o entorno da instituição, como tráfico de drogas, tiroteios e assaltos.

De acordo com o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), em 2013 foram registradas 3,7 mil vítimas de violência interpessoal nas escolas, valor que subiu para 13,1 mil, em 2023 (ver gráfico abaixo). Os números contemplam estudantes, professores e outros membros da comunidade escolar. Entre as ocorrências, 2,2 mil casos envolveram violência autoprovocada (ou seja, automutilação, autopunição, ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídios), tipo de agressão que aumentou 95 vezes no recorte temporal avaliado.

Ao analisar dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, e da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Atlas da violência de 2024 indica que houve um crescimento na proporção de estudantes que reportaram sofrer bullying. Em 2009, o percentual de alunos de escolas brasileiras que relataram ter sido vítimas desse tipo de agressão era de 30,9%, número que subiu para 40,5% em 2019. “Além disso, no mesmo ano, a proporção de estudantes do ensino fundamental que deixaram de ir à escola por sensação de insegurança chegou a 11,4%, mais do que o dobro dos 5,4% registrados em 2009”, informa o economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que realiza o estudo em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Cerqueira considera que parte do aumento captado pelas estatísticas oficiais pode ser explicada por melhorias adotadas no Sinan, no qual são computadas informações sobre doenças e agravos, incluindo vítimas de agressões letais e não letais nas escolas que chegam a hospitais públicos e particulares. “Porém o aprimoramento na coleta de dados não explica aumentos tão acentuados”, avalia o economista. Segundo ele, o processo de radicalização política iniciado no país em 2013 afetou a forma como as pessoas lidam com o outro. O pesquisador destaca que declarações de figuras públicas relativizando a violência ajudaram a criar um ambiente em que discursos agressivos e intolerantes foram naturalizados, o que pode ter afetado negativamente a convivência escolar. Outro aspecto apontado pelo economista diz respeito ao aumento da violência doméstica contra crianças e jovens. Segundo o Atlas da violência, em 2009, 9,5% dos alunos do ensino fundamental de capitais brasileiras relataram ter sido agredidos por algum familiar nos últimos 30 dias, enquanto em 2019 esse percentual subiu para 16,1%. “A violência e a negligência sofridas em casa impactam o ambiente escolar. As agressões funcionam como forma de defesa e reafirmação, ainda que invertida, da autoestima do jovem”, considera o pesquisador.

A desvalorização do magistério, a descontinuidade de políticas educacionais e a precarização da infraestrutura escolar também contribuem para esse cenário de violência, na perspectiva da psicóloga Angela Soligo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela coordenou um estudo nacional sobre violência e preconceitos na escola, publicado em 2018 e realizado em parceria com universidades federais de todas as regiões do país. Na pesquisa, preconceitos institucionais presentes no currículo, no material didático e nas relações pedagógicas foram apontados como fatores de agravamento do cenário. Segundo a pesquisadora, as leis federais no 10.639, de 2003, e no 11.645, de 2008, que obrigam a inclusão do ensino de história da África e sobre povos indígenas, muitas vezes não são respeitadas. “A representação equivocada de certos grupos sociais em materiais didáticos acaba por perpetuar preconceitos”, afirma. Além disso, os estudantes que vivenciam experiências de racismo, machismo e homofobia nem sempre são acolhidos pela gestão escolar.

Em relação à falta de visibilidade de experiências negativas de alunos, o psicólogo João Galvão Bacchetto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), desenvolveu uma análise baseada em questionários aplicados a diretores de escolas por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O levantamento reuniu 63 mil respostas. Um dos achados mais marcantes foi o alto número de escolas que afirmam não enfrentar nenhum tipo de violência: 40% das unidades declararam não registrar incidentes. Já outras 20% relataram apenas episódios pontuais de baixa gravidade. Para Bacchetto, os dados evidenciam que há um descompasso entre o sofrimento dos alunos e seu reconhecimento por parte da gestão escolar. “A violência também é uma questão de percepção. Muitas escolas não sabem como reconhecê-la”, diz.

Na mesma linha, a pedagoga Telma Vinha, da Unicamp, afirma que esse é um dos elementos que afetam negativamente o clima institucional, conceito que se refere ao conjunto de percepções e expectativas compartilhadas pelos integrantes da comunidade escolar, decorrente de experiências vividas nesse contexto. De acordo com ela, em algumas escolas, 100% dos gestores afirmam que há poucos desentendimentos entre estudantes de séries finais do ensino fundamental, enquanto mais da metade desses alunos considera que há muitos conflitos entre eles. “Os adolescentes raramente contam suas desavenças aos adultos. Por isso, é fundamental ouvi-los sobre essas questões”, observa a pesquisadora. No momento, Vinha coordena um estudo sobre o tema realizado como parte das atividades do Grupo Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública, do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (Gepem), que também reúne especialistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A banalização do conceito de bullying constitui, igualmente, uma falha, na visão de Soligo. “Denominar atitudes de racismo e misoginia como bullying acaba escondendo a razão por trás das intimidações, dificultando a formulação de respostas eficazes”, afirma. Segundo Soligo, as escolas acabam resolvendo conflitos rotulados dessa forma com conversas mediadas entre agressor e vítima. “A mediação ajuda a solucionar desavenças pontuais, mas, se não houver um trabalho para discutir o racismo e a misoginia, por exemplo, no futuro a agressão acaba se repetindo com outros alunos”, alerta a psicóloga.

Para a pedagoga Luciene Regina Paulino Tognetta, da Unesp, o enfrentamento de preconceitos no ambiente escolar requer mais do que projetos pontuais, demandando uma transformação estrutural. Com pesquisas na área de violência escolar desenvolvidas desde 2006, atualmente a pedagoga participa de estudos elaborados em parceria com as secretarias municipais de educação de Vitória (ES) e São Paulo (SP), buscando estratégias para melhorar as relações interpessoais. “Constatamos que não basta ter uma política antirracista se toda organização da escola não for repensada”, assegura. Isso significa, por exemplo, que a instituição deve contar com profissionais negros em seu quadro de gestores para poder acolher vítimas de racismo de forma correta. “É um tipo de trabalho que exige empatia e não pode ser conduzido apenas por pessoas brancas”, prossegue Tognetta.

No universo das escolas particulares, Tognetta considera que uma das falhas é a resistência em acionar o Conselho Tutelar em situações graves, com receio da reação das famílias e da exposição negativa na mídia. “Esse é um recurso essencial em casos de negligência. Se o aluno apresenta um comportamento recorrente de perseguição a um colega, ele precisa de acompanhamento psicológico. Se os pais não garantem esse suporte, o Conselho Tutelar deve ser acionado”, defende a pesquisadora. Nesse sentido, o psicólogo José Leon Crochíck, da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a responsabilização do agressor deve ser pensada com cuidado. A reparação do erro pode envolver uma suspensão, mas a expulsão depende do histórico do estudante. Em casos de conflitos graves, é comum que pais peçam a expulsão de agressores. No entanto, Crochíck alerta que essa prática nem sempre é adequada. “A escola tem uma função social. A expulsão do aluno pode torná-lo mais agressivo e estigmatizado, dificultando seu convívio social”, analisa.

Com a proposta de investigar como o bullying e o preconceito se manifestam no ambiente escolar, Crochíck coordenou pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que envolveu outras 12 universidades nacionais e instituições da Argentina, Espanha, México e Portugal. Realizado entre 2018 e 2021, o estudo abrangeu cerca de 3 mil estudantes de 89 escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio de todos os países participantes. Os resultados indicam que alunos com bom desempenho acadêmico raramente são vítimas ou autores de bullying, enquanto aqueles que enfrentam dificuldades em sala de aula, mas se destacam em atividades físicas competitivas, podem estar entre os agressores. “O bullying está ligado a relações de hierarquia, baseando-se na imposição de força e na submissão do mais fraco”, relaciona Crochíck. No âmbito de um auxílio à pesquisa no Programa Ensino Público, da FAPESP, o pesquisador atualmente elabora projeto para criar ações de combate ao preconceito e ao bullying em três escolas públicas de São Paulo.


Denominar atitudes de racismo e misoginia como bullying esconde a razão por trás das agressões

A psicóloga Marian Ávila de Lima e Dias, da Unifesp, também coordenadora do trabalho, explica que as vítimas, por outro lado, são geralmente os chamados “alunos invisíveis”, ou seja, aqueles que não estão entre os melhores nem os piores da turma e raramente são escolhidos para atividades coletivas. “O estudante médio, que não se destaca em termos acadêmicos e de sociabilidade, tem maior probabilidade de ser alvo de agressões”, observa a pesquisadora, que realiza pesquisa com financiamento da FAPESP sobre violência em escolas de Guarulhos (SP). Outro dado levantado pelo estudo revela a correlação entre agressores e vítimas: de cada 10 alunos que sofrem bullying, três podem se tornar agressores no futuro. “Mas o inverso também ocorre: três em cada 10 agressores podem acabar sendo vítimas”, ressalta Dias. Ainda de acordo com o trabalho, atitudes preconceituosas estão relacionadas com fragilidades rejeitadas pelo estudante que as pratica. “Por causa disso, frequentemente grupos marginalizados, como pessoas com deficiência, tornam-se alvo desse tipo de agressão”, diz a psicóloga.

A violência no ambiente escolar também está se manifestando de maneira velada, conforme Tognetta. Ao analisar dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), ela identificou que, entre 2019 e 2023, o número de ocorrências relacionadas ao sofrimento psíquico de alunos da rede estadual pulou de 117 para 3,1 mil. No mesmo período, os casos de suicídio entre estudantes saltaram de 7 para 67 e as tentativas passaram de 9 para 325. “A questão central não é apenas a violência que explode nas escolas, mas aquela que implode os sujeitos, que tem levado adolescentes ao isolamento social e à busca por grupos extremistas que atuam na internet. Se a escola não os acolher, alguém o fará”, alerta. De acordo com a pesquisadora, a pandemia de Covid-19 afetou negativamente a saúde mental dos estudantes e seus impactos estão sendo sentidos até hoje.

Para compreender como secretarias estaduais e municipais de educação lidam com a violência escolar, a socióloga Flávia Pereira Xavier, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenou uma pesquisa nacional com gestores de secretarias de educação de 14 estados e 182 municípios. O estudo, financiado pelo Centro Lemann, buscou garantir representatividade regional e levou em conta diferentes níveis do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Foram avaliadas cinco dimensões da gestão do clima, da convivência e violência nas escolas. A primeira investigou como os diretores escolares comunicam os problemas à secretaria e se ela assume um papel ativo nesse diálogo. A segunda dimensão avaliou se a secretaria apoia ações para melhorar o clima escolar, incluindo medidas para prevenção e gestão de conflitos, desenvolvimento socioemocional, suporte psicossocial e formação continuada sobre bullying, entre outras ações. Já a terceira examinou as diretrizes e recursos fornecidos pela secretaria para aprimorar o clima escolar, considerando a orientação sobre convivência nos documentos institucionais, a existência de um setor responsável e o envio de recursos financeiros para as escolas. O quarto enfoque identificou a percepção dos diretores sobre parcerias da secretaria com outras instituições do Poder Judiciário, centros de assistência social e órgãos de saúde. Já o quinto eixo verificou se a secretaria orienta a inclusão de temas como desigualdades e discriminação em documentos escolares e nas formações continuadas.

“Constatamos que apenas 4,1% das secretarias de Educação pesquisadas apresentam um alto nível de estruturação para gerenciar a violência escolar, contando com ações articuladas em todas as dimensões analisadas e com parcerias instituídas com órgãos como o Ministério Público e Centros de Referência Especializados de Assistência Social [Creas]”, alerta a socióloga. Segundo o estudo, a maioria das secretarias conta com algum programa para lidar com a violência escolar, mas sem dispor de uma abordagem integrada. “A pesquisa reforçou a necessidade de ampliar a articulação entre educação, saúde e assistência social, além de garantir que ações voltadas para o clima escolar sejam contínuas e interligadas a políticas públicas de segurança e justiça”, conclui a pesquisadora.


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