Nutricionista afirma ter sido abusada sexualmente na Aldeia São Francisco, do povo Huni Kuî, em Feijó. Segundo ela, o suspeito a estuprou durante uma caminhada em uma área de mata. Polícia Civil investiga o caso.

A turista chilena Loreto Belen acusa o líder indígena Isaka Ruy de estuprá-la durante uma vivência na Aldeia Me Nia Ibu (São Francisco), do povo Huni Kuî, em Feijó, interior do Acre. Ela registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil, que confirmou a investigação. A jovem também denunciou o caso pelas redes sociais, em um vídeo que relata o que ocorreu. Suspeito nega o crime.
Em um perfil nas redes sociais, Loreto se descreve como nutricionista, terapeuta integral, estudante de medicinas ancestrais e médium. Ela visitou a terra indígena pela primeira vez em janeiro deste ano, quando passou 15 dias estudando a medicina da floresta.
No dia 15 de maio, ela voltou à comunidade para viver outra experiência na natureza. A turista comprou um pacote por cerca de R$ 5,5 mil para ficar várias semanas no local.
Contudo, segundo ela, a experiência tornou-se um pesadelo quando Isaka Ruy, um dos líderes indígenas, teria começado a tocar suas partes íntimas durante algumas atividades, tentado beijá-la à força e a estuprado no dia 17 de junho.
Chilena relata ter sido estuprada durante visita a terra indígena no interior do Acre
No dia 23 de junho, Loreto Belen procurou a delegacia para fazer a denúncia. A Polícia Civil de Feijó informou que instaurou um inquérito. O delegado Dione dos Anjos Lucas, que investiga o caso, explicou que a vítima foi ouvida na delegacia, fez exames médicos no hospital do município e apresentou vídeos gravados nos momentos do abuso.
Ele não informou se vai se apresentar à polícia para ser ouvido. “No momento, só tenho a certeza que vou provar minha inocência”, resumiu.
O delegado destacou que ainda não conseguiu ouvir o suspeito nem os familiares dele.
Ao g1, Isaka negou o crime, disse que prefere não falar sobre o caso e que já há um processo em andamento. Ele é procurado pela Polícia Civil de Feijó para prestar esclarecimentos sobre os fatos.
A turista recebeu ainda apoio e assistência do Departamento Bem Me Quer da Polícia Civil, que auxilia mulheres em situação de vulnerabilidade, e do Organismo de Políticas Públicas para Mulheres (OPM). (Saiba mais abaixo).
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Isaka Ruy foi denunciado por turista por estupro — Foto: Reprodução
Denúncia
Ao g1, a chilena relatou que os abusos ocorreram em pelo menos três momentos após a chegada ao território, que ocorreu no dia 15 de maio.
A primeira ocorreu quatro dias depois da chegada na comunidade. Ela participava de uma atividade conhecida como banho medicinal quando, segundo ela, o indígena a tocou nas partes íntimas. Apesar de se sentir incomodada, ela afirmou que não disse nada.
O crime foi gravado, conforme a turista, porque ela filmava a atividade. “Alguns dias depois, fizemos uma dieta nas profundezas da selva por seis dias. Lá, ele tentou me beijar e eu fiquei muito confusa”, acrescentou sobre o segundo caso.
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Loreto Belen denunciou líder indígena por estupro em Feijó — Foto: Reprodução
Dessa vez, ela disse que comunicou os fatos aos pais e a esposa do suspeito, que se desculparam e pediram que ela apagasse as imagens gravadas. Além disso, a mulher foi convidada a permanecer e participar de experiências na terra indígena sem precisar pagar por isso.
Ainda segundo a turista, a família do indígena deu um desconto no pacote adquirido por ela e baixou o valor de R$ 5,5 mil para R$ 2,5 mil após ela denunciar os primeiros abusos ainda na comunidade.
“Eles pediram pra eu apagar o vídeo que tinha, tinham muito medo, tanto o pai, a mãe e a mulher dele. Pediram muita desculpa e me convidaram para participar na vivência sem pagar”, relatou.
Permanência
Ela diz ter aceitado ficar porque queria conhecer mais sobre o estilo de vida na aldeia e acreditava que aquilo não voltaria a acontecer. Após a permanência, a nutricionista relata ter decidido conversar com o suspeito por sentir uma forte ‘irmandade’ por ele.
Ainda segundo relatado pela vítima, o indígena sugeriu que os dois conversassem próximo a uma árvore samaúma, em uma área de mata próxima à aldeia. Eles caminharam cerca de 20 minutos até o trecho. Foi lá que, segundo ela, o estupro ocorreu. Ela também acusa a esposa de Isaka Ruy de agredi-la após o estupro.
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Vítima publicou vários registros de experiências vividas na comunidade — Foto: Reprodução
“Ele começou a me dizer que queria que eu fosse sua parceira, que sentia amor, que queria tudo comigo e, então, lhe disse que éramos irmãos, que não éramos [casal]. Então, ele começou a se jogar em mim, me beijando e me apalpando até me estuprar. Depois de alguns minutos, [esposa do suspeito] chegou e me bateu com um pedaço de pau gigante. Saí correndo de lá”, relatou no vídeo.
Após o abuso, Loreto Belen diz que um dos celulares que tinha levado desapareceu de seus pertences. “Meu telefone ficou na aldeia, fui com dois para lá. Já estou de volta ao Chile, na cidade da minha mãe, vim me resguardar um pouco. Me senti muito vulnerável, estou passando uns dias com minha mãe e depois volto para minha cidade”, relatou.
A turista disse que resolveu denunciar o que ocorreu na aldeia para que outros visitantes não sejam vítimas. “Espero que outras pessoas não passem pelo que passei. Acho que tive coragem e força espiritual para falar e enfrentar essa situação. Não quero difamar ninguém, meu objetivo é que outras mulheres possam levantar a voz e isso não se repita”, incentivou.
Caso é investigado
O delegado Dione Lucas confirmou que a vítima também relatou ter sido roubada por familiares do suspeito, em uma suposta tentativa de impedir que ela utilizasse o celular para compartilhar evidências.
“Na ocasião, ela relata que havia sido abusada sexualmente e roubada pelos familiares do indígena. Disse que estava na aldeia para uma experiência de imersão cultural, ele teria proposto um ritual, ela aceitou, ele a induziu a ir para um local isolado, no meio da mata. Ela, desconfiando, sem ele perceber, decidiu gravar. Ele teria induzido a tirar a roupa e a molestou. Ele e os familiares, quando souberam que havia gravado, tomaram o celular e expulsaram da aldeia”, informou.
Ainda segundo o delegado, a investigação está em andamento e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foi comunicada. O g1 entrou em contato com a Funai e não conseguiu retorno até a última atualização desta reportagem.
“Após saber que ela havia relatado [o caso] à Polícia Civil, ele não foi mais encontrado. Mas, desde então, estamos tentando localizá-lo”, acrescentou.
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Crime foi denunciado na Delegacia de Feijó — Foto: Asscom/PCAC
Assistência
A coordenadora do Organismo de Políticas Públicas para Mulheres em Feijó (OPM), Pâmela Morais, disse que uma servidora acompanhou a vítima até o hospital para os exames, após ser acionada pela polícia e depois no hotel onde estava hospedada.
“Recebemos ela, acolhemos e mantemos discriminação total do caso evitando exposição da vítima, como manda o protocolo interno. Em seguida articulamos a retirada da vítima do município para capital em carro descaracterizado, encaminhamos para o abrigo de mulheres vítimas de violência na capital, mandamos os documentos necessários para equipe da Semulher para dar continuidade aos atendimentos”, complementou.
Ainda segundo a diretora, a turista relatou que queria sair do município porque não se sentia segura. A diretora destacou também que o acompanhamento eà turista só parou quando ela decidiu voltar ao Chile.
“Muitos indígenas conhecem ela, então, mesmo durante o atendimento, saindo do hospital tinha indígena que reconhecia e falava com ela. Cumprimentava, a chamava pelo nome, é bem conhecida e expressou o forte desejo de sair da cidade. Foi essa articulação que a gente fez para ela sair da cidade”, finalizou.
Colaborou Dayane Leite, da Rede Amazônica Acre.
A PM do Acre disponibiliza os seguintes números para que a mulher peça ajuda:
- (68) 99609-3901
- (68) 99611-3224
- (68) 99610-4372
- (68) 99614-2935
Veja outras formas de denunciar casos de violência contra a mulher:
- Polícia Militar – 190: quando a criança está correndo risco imediato;
- Samu – 192: para pedidos de socorro urgentes;
- Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres;
- Qualquer delegacia de polícia;
- Secretaria de Estado da Mulher (Semulher): recebe denúncias de violações de direitos da mulher no Acre. Telefone: (68) 99930-0420. Endereço: Travessa João XXIII, 1137, Village Wilde Maciel.
- Disque 100: recebe denúncias de violações de direitos humanos. A denúncia é anônima e pode ser feita por qualquer pessoa;
- Profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, psicólogos, entre outros, precisam fazer notificação compulsória em casos de suspeita de violência. Essa notificação é encaminhada aos conselhos tutelares e polícia;
- WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008;
- Ministério Público;
- Videochamada em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
FONTE: G1