Taxas de 1 a cada 5 cidades são comparáveis às dos países mais pobres

A cada ano, uma a cada 23 adolescentes brasileiras entre 15 e 19 anos se torna mãe. A proporção é quase quatro vezes maior do que se registra em países ricos e desenvolvidos, onde anualmente uma em cada 90 adolescentes ingressa nesta condição.
Os dados, revelados por um estudo conduzido por pesquisadores do Centro Internacional de Equidade em saúde da Universidade Federal de Pelotas (ICEH/UFPel) dão dimensão do grave problema enfrentado no país. “A literatura é farta. Vários trabalhos mostram que a maternidade na adolescência não é boa nem para a adolescente e nem para o bebê”, ressaltou o epidemiologista e condutor do estudo, Aluísio Barros.
Uma adolescente com filhos tem um risco maior de abandonar os estudos, reduzindo, assim, a possibilidade de ter uma melhor colocação no mercado de trabalho. Além disso, a chegada do bebê muitas vezes ocorre em famílias que já não estão organizadas de forma estruturada, dificultando, assim, a dispensação do estímulo cognitivo para o bebê. “Os primeiros dois anos de vida são uma fase absolutamente crítica para garantir um desenvolvimento infantil, do ponto de vista biológico, neurológico, psicológico e cognitivo”, diz o pesquisador da ICEH/UFPel.
Além de estampar dados gerais que, por si só, são muito preocupantes, o estudo liderado por Barros mostra um descompasso importante. Embora o Brasil seja um país classificado como de alto desenvolvimento humano pelo índice do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), as taxas de gravidez na adolescência se assemelham mais às de países com renda média baixa. Além disso, um em cada 5 municípios brasileiros apresenta indicadores comparáveis aos dos países mais pobres do mundo.
A desigualdade aqui também está presente. Enquanto a região Sul tem uma taxa de fertilidade entre adolescentes de 35 por mil, na região Norte ela é de 77,1 por mil. Comparando dados gerais, a proporção fica assim: 76% das cidades do Norte se enquadram na faixa de fecundidade de países de baixa renda; seguido do Centro-Oeste, com 32,7%, Nordeste, com 32,7%, Sul, com 9,4%. No Sudeste, apenas 5,1% dos municípios têm taxas de fertilidade na adolescência equivalentes a de países de baixa renda.
A pesquisa conduzida por Barros marca o lançamento de uma página especial no Observatório da Saúde Pública, que acompanha as disparidades de saúde no país. A iniciativa é uma parceria com a Umane, organização da sociedade civil que fomenta projetos de saúde pública.
Sem futuro
Um dado relevante identificado pelo trabalho, que analisou dados dos mais de 5.500 municípios brasileiros, é a correlação entre as condições da cidade e as taxas de gravidez na adolescência.
Quanto menor a oferta de emprego, mais alto o analfabetismo e mais precárias as condições de saneamento do município, mais altas são as taxas de fertilidade na adolescência. “Isto nos mostra o quanto a falta de oportunidades está ligada à maternidade na adolescência”, disse o pesquisador ao JOTA. “A falta de perspectiva é uma hipótese importante que gostaríamos de explorar em estudos futuros”, completou.
Seguindo o raciocínio, o pesquisador avalia que o investimento nos municípios pode ajudar a combater o problema que, ressalta, não está ligado ao tamanho da cidade. “A melhoria nas condições de vida, medidas de inclusão podem servir como um fator protetor”, disse o epidemiologista. Barros citou como exemplo estudos internacionais. Enquanto em países desenvolvidos é preciso três gerações para se ascender socialmente, no Brasil são necessárias nove gerações.
O estudo do ICEH/UFPel confirma o quanto os determinantes sociais estão presentes na saúde. A inexistência de perspectivas neste caso ampliam o risco de perpetuação das vulnerabilidades e da confirmação de um ciclo de pobreza. A constatação é desoladora, mas, ao mesmo tempo, um ponto essencial para que medidas eficazes sejam adotadas.
Barros observa que, quando se fala em maternidade na adolescência, a primeira hipótese é falta de informação. “Alguns estudos mostram que o conhecimento razoável das alternativas”, observa.
Resistência
Mas, em muitos casos, um conhecimento também permeado de desinformação, sobretudo relativo às consequências dos métodos contraceptivos existentes – um problema que tende a crescer quando se vê o avanço da onda conservadora de costumes e a consequente dificuldade na discussão de temas relacionados ao planejamento familiar, seja nas escolas, seja nas famílias.
A resistência a essa discussão traz consequências até mesmo no acesso a serviços de saúde. Quanto maior a dificuldade de se falar sobre o tema, maior a resistência de adolescentes a buscarem serviços, menor a naturalidade com que profissionais dos serviços transmitem informações essenciais e, ainda, menor a transparência para se discutir sobre qual método se adapta melhor ao perfil de cada adolescente.
A divulgação da pesquisa ocorre num momento em que o Sistema Único de Saúde, depois de muito debater, aprovou o uso de anticontraceptivos injetáveis de longa duração para adolescentes. Este não é um recurso universal, mas uma alternativa importante para atender um determinado grupo de adolescentes.
Maternidade na adolescência é um problema complexo, como confirma a pesquisa conduzida por Barros, que passa pela oferta de emprego e pela estrutura das cidades. Mas um tema que também deveria estar na agenda dos educadores, das famílias e dos serviços de saúde. Enquanto isso não ocorrer, maior o risco de o país se perpetuar na desigualdade.