Psicóloga Maiara Lourenço, especialista em Terapias Cognitivas-Comportamentais, explica como o cérebro de quem tem vícios em jogos de azar passa a funcionar de forma muito parecida com o de quem tem dependência em fumo e álcool.
Uma meta-análise de um estudo internacional de 2023 mostrou que 46% dos adultos em todo o mundo jogaram algum tipo de jogo de azar em algum formato nos últimos 12 meses. Apesar de muitos realizarem o uso recreativo, o vício na prática foi considerado uma doença pela Organização Mundial de saúde (OMS), denominada Ludopatia.
A condição médica acende um alerta, já que pode causar consequências graves, como maior risco de depressão, ansiedade e até ideação suicida. Temas que ganham maior repercussão neste mês, quando é a realizada a campanha Setembro Amarelo, de valorização da vida.
Abaixo, o g1 conversou com a psicóloga Maiara Lourenço, especialista em Terapias Cognitivas-Comportamentais, que explica como o cérebro de quem tem vícios em jogos de azar passa a funcionar de forma muito parecida com o de quem tem dependência em fumo e álcool, e listou onde buscar ajuda.
🧠 Efeitos no cérebro
Conforme a psicóloga, a mudança no funcionamento do cérebro relaciona-se com a liberação de hormônios e o sistema de recompensa.
“A cada aposta, principalmente quando há uma vitória, o sistema de recompensa libera dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer e à motivação. Essa liberação gera uma sensação de euforia que o cérebro busca repetir”, explica Maiara Lourenço.
Como os ganhos são imprevisíveis, a especialista explica que entra em ação o chamado reforço intermitente, quando a pessoa continua jogando porque acredita que a chance de ganhar ‘de novo’ está sempre próxima, mesmo que, estatisticamente, seja improvável.

‘Jogo do tigrinho’ é proibido no Brasil — Foto: Reprodução/TV Globo
“Além disso, atua o viés de confirmação, a tendência de valorizar mais as vitórias do que as perdas e de acreditar que resultados anteriores aumentam a probabilidade de um novo acerto. Esse mecanismo engana o raciocínio lógico e amplia a impulsividade. Com o tempo, o cérebro se acostuma ao estímulo e passa a exigir apostas mais frequentes ou de valores mais altos para gerar a mesma sensação de prazer, o que intensifica o ciclo de dependência.”
Maiara Lourenço também destaca que é possível jogar apenas por lazer, mas existem alguns fatores psicológicos que podem aumentar a vulnerabilidade ao desenvolvimento ao vício de jogos de azar, como:
- Ansiedade: a especialista ressalta que é normal sentir ansiedade em situações de expectativa ou risco, mas, em algumas pessoas, ela pode se manifestar de forma mais intensa, como no Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) ou em crises de pânico. Nesses casos, a ansiedade patológica pode levar a comportamentos de busca de recompensa imediata, como o jogo.
- Depressão: pessoas com transtornos depressivos, como Depressão Maior ou Distimia, podem utilizar o jogo como uma forma de compensar emoções negativas ou buscar prazer temporário.
- Estresse crônico: situações prolongadas de estresse prejudicam o autocontrole e aumentam a impulsividade, favorecendo a manutenção do comportamento de risco.
- Baixa autoestima: quando a pessoa sente incapacidade ou insatisfação com suas conquistas, pode buscar validação externa ou gratificação rápida no jogo.
🏥 Onde buscar ajuda no interior de SP?
Quando o jogo começa a roubar sono, dinheiro, relacionamentos ou provocar mentiras e até risco à vida, a especialista alerta que é hora de pedir ajuda.
Segundo Maiara, entre os sinais mais comuns estão a preocupação constante com o jogo, pensando o tempo todo em quando e como apostar, e a necessidade de arriscar valores cada vez maiores para sentir o mesmo prazer.
Também podem aparecer mentiras para a família ou colegas sobre a frequência, ou o valor gasto, além de contas atrasadas, negligência de tarefas, faltas no trabalho ou queda no rendimento.
💊 Tratamento
O tratamento, conforme a especialista, deve ser individualizado e supervisionado por profissionais de saúde mental, sempre considerando os fatores mencionados acima.
Nesse contexto, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) passaram a auxiliar no tratamento dessas pessoas após a aprovação de uma lei estadual em agosto de 2025.
Adriana Magali Dezotti Batista, especialista em Saúde Mental e gestora do Núcleo Técnico de Saúde Mental de Marília explica que o serviço é ofertado pelo Caps Com-Viver, em parceria com o CAPS-AD, órgão vinculado ao HC/Famema, e que são portas abertas para o acolhimento, sem necessidade de agendamento prévio.
“Ao chegar nos serviços, um profissional vai identificar as necessidades e propor o Projeto Terapêutico Singular para o sujeito. O cuidado é realizado por equipe multiprofissional (psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, enfermeiro, outros)”, explica em entrevista ao g1.
📍 Bauru
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Bauru, através da Coordenadoria de Políticas Públicas para Saúde Integral e Gerência de Saúde Mental, orienta que qualquer pessoa pode procurar as Unidades Básicas de Saúde para uma avaliação e que, se for detectado algum transtorno mental, ela será encaminhada para uma abordagem mais específica. Confira a lista completa aqui.
📍 Marília – Caps Com-Viver
- Endereço: R. Marquês de São Vicente, 322 – Jardim Maria Izabel, Marília.
- Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2018/x/Q/Uj02JrQSqezQExdIy8nA/caps7.jpg)
Espaço mais amplo e adequado para o atendimento aos cerca de 250 paciente do Caps — Foto: Mauro Abreu/Prefeitura de Marília