Em 1º de agosto de 1960, Bauru (SP) recebeu o primeiro sinal da TV Bauru Canal 2, hoje TV TEM. O g1 mostra essa história em uma série de reportagens que serão publicadas até sexta-feira (8).

João Simonetti foi o responsável por levar a TV para o interior de SP, em 1960, com a TV Bauru – Canal 2 — Foto: Arquivo/TV TEM
João Simonetti foi um dos nomes mais importantes da comunicação no interior do Brasil. Imigrante italiano, marceneiro por profissão e apaixonado pela radiodifusão, ele foi o responsável por fundar o primeiro canal de televisão fora de uma capital na América Latina, em 1960, em Bauru (SP).
Ousadia, pioneirismo e uma amizade com o então presidente Getúlio Vargas construíram o legado na comunicação que segue vivo na cidade por meio das novas gerações de sua família.
Esta reportagem é parte de uma série especial produzida pelo g1 e a TV TEM em comemoração aos 65 anos da TV Bauru. Confira a primeira reportagem da série, publicada na segunda-feira (4).
Nesta segunda reportagem, o g1 aprofunda a trajetória de João Simonetti com base em entrevistas com netos, uma historiadora e na biografia “Joanin”, escrita por seu neto Paulo Sérgio Simonetti.
Brasileiro ou italiano?
A história de Simonetti começa com a dúvida: sua nacionalidade é brasileira ou italiana?
Documentos de identidade apresentam informações conflitantes, mas o que se sabe com certeza é que João Simonetti nasceu em 1886.

Brasileiro ou italiano: neto de João Simonetti fala sobre nacionalidade do avô
Em entrevista à TV TEM, o radialista João Simonetti Neto, neto do pioneiro, compartilhou a versão que ouviu da própria família sobre as origens do avô. Segundo ele, a família veio da Calábria, região sul da Itália, e chegou ao Brasil com João ainda jovem.
A família desembarcou no porto de Santos (SP) e se estabeleceu em Dois Córregos (SP), onde trabalhou como marceneira, ofício que Simonetti também exerceu antes de migrar para o mundo da comunicação.
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Estação Ferroviária de Dois Córregos nos anos 1910 — Foto: Reprodução/Estações Ferroviárias
Segundo os netos, Simonetti teria contornado um obstáculo legal, já que apenas brasileiros natos podiam receber concessões de rádio. A saída encontrada foi buscar um novo registro em Dois Córregos.
“Meu avô foi lá porque o cartório tinha pegado fogo. Ele disse: ‘Vim tirar a segunda via’. Os funcionários falaram que a única saída era só se ele fosse falando e eles escrevendo. Meu avô ditou: ‘Natural de Dois Córregos, estado de São Paulo’. Foi esperto.”
No entanto, segundo apuração da TV TEM, o cartório da cidade nunca pegou fogo, de acordo com a atual administração.
Simonetti mudou-se para Bauru em 1916. Quatro anos depois, arrendou uma sala de cinema mudo para exibir filmes. Em 1934, fez a sua primeira transmissão de rádio e, em 1935, conseguiu a licença oficial para radiodifusão.
Em 1940, começou a construir o prédio da Bauru Rádio Clube, no bairro Bela Vista, em um ponto estratégico, próximo à ferrovia e em área elevada da cidade, ideal para a cobertura do sinal de rádio.
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Fachada da Rádio PRG-8 em Bauru (SP) — Foto: Arquivo/TV TEM
O primeiro canal de TV do interior da América Latina
Em 1952, durante uma viagem a São Paulo, Simonetti assistiu pela primeira vez a uma transmissão de TV, provavelmente da TV Tupi, que havia sido inaugurada em 1950.
“Meu avô viu um jogo de futebol, Palmeiras e Santos. Ele ficou encantado com a imagem somada ao som. Disse: ‘Esse é o veículo completo: som e imagem’. Dali já foi para o Rio de Janeiro atrás do Getúlio Vargas, que era muito amigo dele”, contou João Simonetti Neto.
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João Simonetti, pioneiro da TV em Bauru (SP), era amigo próximo de Getúlio Vargas — Foto: Arquivo/TV TEM
A amizade com o presidente começou anos antes, por volta de 1938, após o golpe do Estado Novo. Getúlio visitou Bauru e foi recebido pela elite local.
“Ele veio para Bauru de avião da VASP, com a esposa e a filha. Foi muito bem recebido por todos que queriam ver Bauru crescer. Dormiu na Fazenda Val de Palmas e, no dia seguinte, seguiu viagem para outras cidades da região”, lembra a historiadora e doutora em história social Terezinha Santarosa Zanlochi.
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Estação de trem da Fazenda Val de Palmas, em Bauru (SP), onde João Simonetti conheceu Getúlio Vargas — Foto: Arquivo/TV TEM
“Nesse período, quem controlava os meios de comunicação era João Simonetti, com a Bauru Rádio Clube. E é aí que ele estreita os laços com Getúlio, o que vai culminar no pedido de uma concessão de canal de TV entre 1951 e 1952”, completa a historiadora.
A concessão federal só saiu em 1958, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Quando foi aprovada, Simonetti recebeu um telegrama do então vice-presidente, João Goulart:
“Congratulo meu amigo. Grande vitória. Estou certo de que seu canal de televisão estará sempre na primeira linha de defesa dos ideais nacionalistas do imortal presidente Getúlio Vargas.” – João Goulart
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Telegrama recebido por João Simonetti de João Goulart parabenizando-o sobre a concessão da TV Bauru — Foto: Arquivo/TV TEM
Era preciso vender televisores
A concessão vinha com a condição de que a cidade tivesse, no mínimo, mil televisores vendidos e instalados. A família firmou uma parceria com a empresa Rebratel, que fabricava os aparelhos.
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Modelo de televisor da Rebratel vendido de Bauru (SP) como pré-requisito para a inauguração da emissora de Simonetti — Foto: Arquivo/TV TEM
“Foi mais pelo nome do meu avô, nosso sobrenome. A gente era conhecido no rádio, o pessoal confiava e ia comprando. A venda era de porta em porta. Um comprava para ele, para o filho, para a filha…”, lembra um dos netos.
A TV Bauru entrou no ar em 1960, mas, poucos meses depois, Simonetti se afastou da emissora, devido aos altos custos de manutenção.
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Transição de TV Bauru para a Organização Victor Costa (OVC) — Foto: Arquivo/TV TEM
A Rebratel assumiu o controle, e logo a rede foi comprada pelas Organizações Victor Costa, ligadas à Rádio Paulista de Televisão. A emissora passou a receber equipamentos e profissionais treinados. Em 1965, a TV Bauru foi incorporada à Rede Globo, com a compra das Organizações Victor Costa.
Apesar disso, os traços de Simonetti permanecem no prédio. Um cajueiro plantado por ele ainda está lá.
Legado de geração em geração
Os netos Paulo e João Neto, conhecido no rádio como Netão, definem o avô como baixinho, bravo e reservado.
“Ele era baixinho, mas bravo. O apelido dele era Joanin, de pequenininho”, contou Paulo Simonetti, também neto de João.
Eles têm poucas lembranças pessoais, mas seguiram o caminho dele. Hoje, a família administra a 94 FM de Bauru, com transmissão para todo o Brasil online e em Bauru e cidades vizinhas.
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Família Simonetti reunida nas dependências da 94 FM em Bauru (SP) — Foto: Reprodução/TV TEM
“Eu nunca vi meu avô sorrir. Ele estava sempre quieto. Para a gente entrar na sala da casa dele, pensava mil vezes. Ele não dava ‘colher de chá’, mas deixou um legado. Estamos indo para a quarta geração no rádio, meu avô, meu pai, nós, nossas filhas e agora nossos netos”, lembra Netão.
“A gente só foi dar valor para ele há pouco tempo. Quando era moleque, nem passava pela cabeça. Depois começaram a falar tanto dele, e pensamos: ‘Nossa, o homem era um fenômeno mesmo’. Ele estava muito à frente do tempo dele”, finaliza.