Marcos Cintra
A civilização humana sempre oscilou entre o culto ao vigor e o respeito à cicatriz. Hoje vivemos um surto inédito: o juvenismo — atitude cultural que erige a juventude em valor absoluto, relegando experiência e sabedoria ao limbo do “ultrapassado”. Não é mera preferência estética; é cronofobia estrutural, imediatismo que transforma efêmero em eterno. O paradoxo crucial é que a cura para o juvenismo é o próprio envelhecimento. O jovem não acredita na tese; só acreditará quando se tornar o velho que hoje desdenha.
Karl Mannheim, em Das Problem der Generationen (1928), fala de “juventude como potencial revolucionário”; Pierre Bourdieu, em La Distinction (1979), analisa o capital cultural etário. Mas nenhum cunha o conceito pejorativo aqui delineado. O juvenismo é diagnóstico contemporâneo para doença antiga que se agrava com a aceleração tecnológica.
O cérebro não envelhece uniformemente. Enquanto a inteligência fluida declina — capacidade de resolver problemas inéditos em tempo real —, a inteligência cristalizada ascende: vocabulário, julgamento estratégico, reconhecimento de padrões. Indivíduos acima de 60 anos superam os de 25 em 70% das decisões sob incerteza profunda, segundo meta-análise da Psychological Science (2024). A sinapse que não se usa morre; a que se usa se reforça.
A inovação disruptiva é privilégio legítimo da juventude. Einstein aos 26, Newton aos 23, Turing aos 24 — todos romperam o mundo com audácia de quem ainda não sabia que era impossível. A plasticidade máxima e baixa inércia cognitiva tornam o jovem motor natural do novo. O erro não está em reconhecer isso. O erro está em confundir o insight com a execução. O jovem que inventa o fogo não é o melhor para construir a cidade que o usará por séculos. Para isso, é preciso quem já viu incêndios.
A história oferece laboratório macabro de surtos juvenistas. Na Revolução Cultural Chinesa (1966-1976), Mao Tsé-Tung — aos 72 anos — orquestrou culto ideológico à juventude como antídoto à “decadência etária”. Mobilizou milhões de Guardas Vermelhos, adolescentes com média de 17 anos, exaltados como “vanguarda revolucionária pura”. Esses jovens destruíram templos milenares, humilharam intelectuais e causaram entre 1 e 2 milhões de mortes. Mao não era o executor impulsivo, mas o arquiteto cínico: usou o juvenismo como arma geracional para eliminar rivais.
Algumas civilizações perceberam cedo a importância da maturiocracia. A China confuciana elevou o ancião a conselheiro supremo; o Mandarim era selecionado aos 50-60 anos após décadas de estudo. O Analectos afirma: “Aos 40, não mais me confundo; aos 50, conheço o mandato do céu; aos 70, sigo o desejo do coração sem transgredir”. Roma republicana confiava o Senado a patrícios acima de 42 anos. O judaísmo bíblico ordena: “Levanta-te diante dos cabelos brancos” (Levítico 19:32). Essas sociedades não eram gerontocracias rígidas, mas maturiocracias funcionais.
Hoje o pêndulo oscila de volta. Xi Jinping tem 72 anos; Lula, 80; Modi, 75; Scholz, 67. A média etária dos chefes de Estado do G20 em 2025 é aproximadamente 60
anos — elevada. No Congresso americano, média de 59 anos na Câmara e 64 no Senado. O juvenismo recua onde a complexidade avança.
A expansão do juvenismo contemporâneo tem raízes na transformação digital. A internet comprimiu o tempo cognitivo: o que exigia anos de reflexão resolve-se em 280 caracteres. Recompensas imediatas — likes, retweets — reforçam o ciclo. O jovem que viraliza aos 22 anos torna-se referência, enquanto o especialista de 62 anos com 40 anos de pesquisa é “lento demais”. A relevância vem da velocidade, não da profundidade. O algoritmo não distingue insight de barulho; premia o que engaja. A imaturidade torna-se moeda de troca.
A educação sucumbiu. Cursos online de três horas prometem “dominar Python” ou “ser milionário aos 30”. O diploma tradicional é visto como “obsoleto”. O “fail fast” da startup é útil para iteração técnica, mas desastroso para formação humana. O erro precisa de tempo para ser transformado em lição. Sem esse tempo, o fracasso não ensina; apenas repete.
A demografia é inexorável. Em 2050, o mundo terá mais idosos que crianças pela primeira vez. Essa inversão forçará reavaliação cultural. O Japão, pioneiro, já vive isso: empresas com conselhos etários médios de 65 anos, políticas de 30 anos, estabilidade social. O Brasil, com pirâmide etária em transição, terá em 30 anos sociedade mais madura — e, consequentemente, mais resiliente.
O paradoxo final é que o juvenismo só pode ser superado por quem já o viveu. O jovem de hoje será o maduro de amanhã. Quando isso acontecer, não precisará de argumentos; terá cicatrizes. A sociedade não precisará de manifestos; terá memória. O tempo fará o que nenhum discurso consegue: transformar o descrente em crente.
Enquanto isso, aos maduros cabe existir — não como pregadores, mas como prova viva. Suas rugas são mapas; suas cicatrices, medalhas; suas decisões, legados. Eles não precisam convencer; precisam durar. Quando o corpo ceder, o que restará não será um post efêmero, mas estrutura sólida — uma lei, uma instituição que resiste ao tempo. O juvenismo quer tudo agora. A maturidade constrói para sempre. E o tempo sempre escolhe o que dura.













