Renata Yumi Ono, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Garça (SP), explica como a prática de retirar o preservativo sem o consentimento da vítima é um caso de violência sexual.
Mais de 21 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência entre março de 2024 e março de 2025, de acordo com uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, representando 37,5% do total de mulheres de todo o país.
Muitos desses casos, por desconhecimento ou falta de informação, não chegam a ser notificados, pois a própria vítima não entende que acabou de sofrer um crime. Dentre eles, está o stealthing, que consiste na prática do parceiro retirar o preservativo durante a relação sexual sem o conhecimento ou consentimento da vítima.
No dia 29 de agosto, a justiça condenou um homem a indenizar uma mulher em R$ 20 mil pela prática em Assis (SP). Por isso, o g1 conversou com Renata Yumi Ono, delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), com mais de 15 anos de experiência como policial civil, que forneceu orientações de como vítimas podem se proteger e reconhecer o crime.
Entenda a violência sexual do stealthing
De acordo com a delegada, que é titular da DDM de Garça (SP), a conduta do crime de stealthing é considerada uma violência sexual, pois rompe o consentimento válido previamente estabelecido.
“A mulher consente em manter relação sexual em determinadas condições, e uma delas pode ser o uso do preservativo. Retirá-lo sorrateiramente viola a autonomia sexual, quebra a confiança e expõe a vítima a sérios riscos, como gravidez indesejada, infecções sexualmente transmissíveis e danos psicológicos”, explica em entrevista ao g1.
Apesar de não ter nenhum tipo penal específico para a prática, Renata Yumi esclarece que decisões judiciais têm caracterizado a conduta como:
- Estupro (art. 213 do Código Penal), sob o fundamento de que, após a retirada do preservativo, a vítima se recusou a continuar a relação sexual e, mediante violência ou grave ameaça, o parceiro continuou o ato sexual contra a vontade dela;
- Crime de violação sexual mediante fraude (art. 215 do Código Penal), já que a vítima foi induzida a erro para consentir no ato sexual, uma vez que a relação estaria condicionada ao uso de preservativo;
- Perigo de contágio venéreo em casos nos quais existe risco de transmissão de doenças venéreas, e lesão corporal grave ou gravíssima (art. 129), caso se comprove que o contágio de alguma IST ocorreu por meio de relação sexual não consentida.
Além disso, a especialista ressalta que o principal desafio nesses casos é a falta de provas diretas, já que os crimes contra a dignidade sexual ocorrem em contextos de intimidade, sem testemunhas, e a subnotificação é elevada, pois, ainda de acordo com a delegada, as vítimas não procuram a polícia por vergonha, medo de julgamento ou por não reconhecerem de imediato que sofreram um crime.
“Em alguns casos, a denúncia só ocorre após longo intervalo, o que dificulta a coleta de provas materiais e periciais”, ressalta.
Orientações para as vítimas
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Renata Yumi Ono, delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Garça (SP), explica o que é stealthing — Foto: Arquivo pessoal
A delegada destaca que a investigação considera um conjunto de indícios. Segundo ela, o relato da vítima é importante e também pode ser analisado junto a outros elementos, como mensagens trocadas com o suspeito após o crime, depoimentos de pessoas que tiveram contato com a vítima logo depois do ocorrido e laudos médicos ou psicológicos, caso ela busque atendimento especializado.
Além disso, Renata Yumi dá outras orientações para as vítimas, como:
- Consciência: saiba que o stealthing é uma forma de violência sexual. “Não é acidente ou mal-entendido”, reforça a delegada;
- Antes da relação: deixe claros seus limites e condições. Se o parceiro não aceitar, não há obrigação em manter a relação;
- Durante a relação: se perceber qualquer tentativa de retirada ou rompimento intencional do preservativo, interrompa o ato;
- Após o ocorrido: guarde preservativo, roupas ou mensagens que possam servir como prova. Procure atendimento médico imediato, inclusive fazendo valer a chamada “Lei do Minuto Seguinte”, que assegura atendimento obrigatório pelo SUS às vítimas de violência sexual, garantindo-se, dentre outros serviços, a profilaxia de ISTs e contracepção de emergência, sem necessidade de boletim de ocorrência prévio;
- Rede de apoio: denuncie em uma Delegacia de Defesa da Mulher ou, na ausência dela, em qualquer delegacia. Também é possível registrar denúncias pelo número 180 (Central de Atendimento à Mulher) e, em situações de emergência, ligar no 190. O acompanhamento psicológico é fundamental, pois o impacto emocional não pode ser subestimado.
Além disso, a delegada ressalta que é fundamental romper o silêncio sobre o stealthing, pois, apesar de ainda pouco conhecida e denunciada, esta é uma forma grave de violência sexual.
“Precisamos incentivar o diálogo entre mulheres, ampliar a informação e conscientização da sociedade para que esse crime não seja normalizado. Stealthing é crime, viola a autonomia sexual, fere a dignidade da mulher e deve ser denunciado”, finaliza.

Delegada esclarece prática do stealthing e alerta vítimas: ‘Não é acidente e nem mal-entendido’ — Foto: SVS/Divulgação