Neurologista de Botucatu (SP) explica quais são as formações cerebrais que diferenciam o desenvolvimento de crianças diagnosticadas com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD).

Com apenas sete anos, Leonardo de Oliveira, de Marília (SP), faz parte de um seleto grupo: está entre os 2% de pessoas mais inteligentes do mundo. Aceito há pouco mais de um ano na Mensa Brasil, sociedade internacional que reúne indivíduos de alto QI, ele é um dos exemplos de crianças com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), condição que foi comemorada no domingo (10).
Mais do que facilidade com números ou aprendizado acelerado, esses indivíduos apresentam particularidades neurológicas.
Abaixo, o g1 dá detalhes da trajetória do pequeno Léo e conversa com um neurologista especialista em transtornos cognitivos e de comportamento de Botucatu (SP) para explicar o que há de diferente no cérebro de crianças diagnosticadas com altas habilidades e superdotação.
Pequeno gênio
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Leonardo Oliveira, de Marília (SP), é diagnosticado com altas habilidades/superdotação e faz parte da Mensa Brasil — Foto: Arquivo pessoal
Ana Cláudia, mãe de Leonardo de Oliveira, relembra que tudo começou com uma alfabetização precoce e facilidade com cálculos aos dois anos, o que chamou a atenção da família.
“Ele tinha por volta de um ano e meio e já começou a contar com muita facilidade. Antes dos dois anos ainda, ele já começou a ler pequenas palavras que ele via na TV ou ele via escrito em alguma fachada”, conta em entrevista ao g1.
Apenas um ano depois, Léo já fazia multiplicações e divisões de números, um tipo de habilidade que só seria ensinada na escola por volta dos sete e oito anos. Diante da genialidade do filho, os pais decidiram procurar um acompanhamento mais especializado e, desde então, o garoto já era acompanhado por um neuropediatra.
“Ele acaba brincando bastante na escola e desenvolvendo suas amizades, porque ele aprende a matemática e treina por conta própria em casa”, explica Ana Cláudia.
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Mais inteligente que 99% das pessoas, mariliense de seis anos é novo membro de sociedade de alto QI — Foto: Arquivo pessoal
No segundo semestre de 2023, por indicação do médico, Leonardo passou por uma avaliação neuropsicológica completa, quando foram aplicados vários testes de QI, que comprovaram as AH/SD. Este laudo foi encaminhado para a Mensa Brasil em abril de 2024, o que permitiu sua entrada na associação internacional.
Os resultados colocaram o menino no chamado Percentil 99, que o classifica como mais inteligente do que 99% da população mundial. Seu Quociente de Inteligência (QI), em alguns testes, chegou próximo de 140, em outros, de 141.
Complexidade neural
Igor de Lima Teixeira, médico neurologista especialista em transtornos cognitivos e de comportamento de Botucatu, explica que existem algumas particularidades em pessoas que possuem Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD).
“Capacidade intelectual geral (acima de 130 pontos de QI); desempenho superior em áreas cognitivas, acadêmicas, criativas e sociais; grande sensibilidade emocional; pensamento acelerado de informações e habilidades excepcionais em áreas muito específicas são algumas das características que podem ser vistas em pessoas diagnosticadas.”
No contexto de crianças com AH/SD, o especialista explica que elas possuem diferenças na formação cerebral em relação às demais crianças, como:
- Neuroplasticidade acelerada na infância e adolescência, com um amadurecimento e maior volume de substância cinzenta em relação às crianças da mesma idade;
- Maior ação de áreas da memória e em fases mais precoces da vida;
- Maior complexidade das redes de ligações neuronais dessas crianças, desde fases muito precoces, o que faz com que elas consigam integrar muitas áreas cerebrais e de formas muito mais eficientes e rápidas do que pessoas normais;
- O córtex frontal dessas crianças apresenta maior integração com o sistema límbico e tem maior integração e maturação dessas conexões, o que reflete em comportamentos mais “maduros”, mas também em maior criatividade e originalidade na solução de problemas.
Essa neuroplasticidade, definida como a capacidade do cérebro de se adaptar e se modificar em resposta a novas experiências, aprendizado, lesões ou alterações ambientais, é diferente em pessoas com AH/SD, pois apresentam maior densidade sináptica, formando conexões mais complexas entre neurônios e regiões cerebrais, como hipocampo e córtex frontal, o que favorece aprendizado rápido e integração de ideias distintas.
Ainda de acordo com o médico, possuem também poda sináptica mais eficiente, eliminando conexões redundantes e tornando as redes neurais cerca de 30% mais eficazes. Além disso, ativam múltiplas redes cerebrais simultaneamente, como a executiva e a de modo padrão, resultando em decisões e criações mais criativas e originais.
Quais características definem uma criança com Altas Habilidades/ Superdotação?
Ainda de acordo com o médico-neurologista, crianças com desenvolvimento cognitivo precoce aprendem conceitos complexos com rapidez, demonstram curiosidade intensa, pensamento crítico, criatividade e foco profundo em áreas de interesse, mas tendem a se desinteressar por tarefas repetitivas.
No campo socioemocional, apresentam alta sensibilidade, forte senso de justiça e assincronia entre intelecto avançado e maturidade emocional, preferindo interações com adultos e podendo enfrentar dificuldades de socialização.
Entre os desafios, destacam-se perfeccionismo, questionamento de autoridades e sobre-excitabilidade, que pode ser intelectual, sensorial ou psicomotora.
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Identificar superdotação em bebês e crianças envolve observar uma série de características que os diferenciam dos demais — Foto: Freepik
“O modelo dos três anéis de Ranzulli fornece uma boa estrutura de pensamento para identificar essas crianças. Ele baseia-se em três pontos principais: habilidades acima da média; criatividade elevada, com capacidade de gerar ideias diferentes e originais para resolução de problemas do dia a dia e compromisso com a tarefa por meio de persistência, motivação e foco sustentado em desafios propostos”, explica o especialista ao g1.
O neurologista também alerta para o mito de que crianças superdotadas são gênios e terão sucesso garantido na vida adulta. Segundo ele, nem todas conseguem desenvolver plenamente suas capacidades por falta de apoio de instituições e pessoas próximas.
Ana Cláudia, mãe de Léo, ressalta como esse acompanhamento e apoio são importantes e, principalmente, deixar que seu filho continue sendo uma criança “normal”.
“Ele é uma criança amorosa, obediente, extremamente sensível e atento a qualquer coisa que aconteça. Parece que o cérebro dele está constantemente trabalhando, constantemente pensando e se preocupando com as coisas, e isso merece muita atenção dos pais. Léo tem um irmão mais novo, então eles brincam muito, independente das altas habilidades dele”, conta em entrevista ao g1.
Igor finaliza destacando que o apoio durante a infância e o acompanhamento adequado são fundamentais para que crianças superdotadas desenvolvam suas habilidades de forma saudável, possibilitando que, no futuro, possam deixar um grande legado.
*Colaborou sob supervisão de Mariana Bonora